O IBS, A CBS E O PROCESSO JUDICIAL

Artigo publicado no conjur.com.br

A reforma tributária “do consumo” é assunto diário desde antes da promulgação da Emenda Constitucional 132, ocorrida no final do ano de 2023, gerando questionamentos de toda ordem.
Porém, até que haja a instituição da CBS e do IBS, matéria que a EC 132 deixou a cargo da Lei Complementar1, bem como a regulamentação de outros dispositivos constitucionais que também dependem de tratamento por este específico tipo de lei, muitas dúvidas permanecerão no ar.
E é sobre elas que devemos refletir, de forma a chamar a atenção do legislativo para eventuais problemas que não foram dimensionados quando das alterações do texto constitucional, especificamente no que toca ao processo tributário.
O foco da reforma, como sabemos, foi a extinção do PIS e da COFINS para dar lugar à CBS (Contribuição sobre Bens e Serviço) e a extinção do ICMS e ISS para dar lugar ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviço), no intento de gerar um sistema tributário mais simples e transparente, facilitando a vida dos contribuintes. Em decorrência disso, as modificações promovidas foram, em sua grande maioria, relacionadas a questões de direito material, ou seja, ao tributo em si.
Mas, inevitavelmente, quando se cria ou se altera algum tributo, as consequências impactam não só o sistema tributário como também as regras processuais, vocacionadas para resolver conflitos entre os sujeitos que compõem a relação tributária.

Afinal, dada a relação de instrumentalidade existente entre os dois sistemas (material e processual), concordamos com Paulo Cesar Conrado quando afirma que “o processo não é um fim em si mesmo, senão um instrumento servil ao dever jurisdicional e ao direito de ação…..processo é instrumento do direito material”.2
Se por um lado a simplificação pode ocorrer – e é benéfica, sem dúvida alguma -, por outro acende-se uma luz quanto a eventuais conflitos de interpretação que podem ocorrer entre os novos tributos, que terão a mesma materialidade – incidência sobre bens e consumo. Vejamos.
A CBS é contribuição de competência da União, enquanto o IBS é imposto de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Município3, e segundo o texto Constitucional devem guardar identidade de materialidade e soluções a respeito dos problemas atrelados às respectivas regra-matrizes tributárias.
Isso significa que, por mais que os novos dispositivos constitucionais determinem que os diferentes tributos tenham a mesma materialidade e reforcem isso por meio dos artigos 149-B4 e 195, §165 , é fato que a sujeição ativa é distinta.
Essa repartição de competências, por si só, permite perceber que cada ente (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) pode dar uma diferente interpretação e extensão aos conceitos tomados para fins de tributação – bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, e importação, especialmente considerando que cada um deles tem diferentes interesses arrecadatórios.

Ainda que assim não fosse, a própria redação de alguns dispositivos constitucionais, se não for criteriosamente regulamentado, levará a diferentes compreensões a respeito de diversos conceitos, como por exemplo, serviços de educação, serviços de saúde, família de baixa renda6.
O mesmo pode se dar em relação à regra de não cumulatividade plena, que pode gerar ambiguidades quando dispõe, por exemplo, que não darão direito a crédito bens de consumo pessoal7, implicando a exigência sobre bases de cálculo distintas.
O risco de divergências interpretativas, seja entre os diferentes entes tributantes seja entre eles e os contribuintes, é potencial e real, e questões dessa natureza, quando levadas ao judiciário, poderão ser perpetuadas até que haja decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso pode se dar porque: conflitos envolvendo CBS serão solucionados pela Justiça Federal, em razão de ter como sujeito ativo a União8, enquanto os relacionados ao IBS serão alçados à Justiça Estadual, pulverizada entre os 26 Estados e o Distrito Federal. O cenário, portanto, é o evidente risco de cada um desses âmbitos jurisdicionais decidir de uma forma, tornando distante o projeto de simplicidade, uniformidade, quiçá de “litigância zero”..

Uma saída é depositar a solução de questionamentos que envolvam aspectos uniformes da CBS e do IBS por meio da fixação de interpretação pelo STJ e pelo STF. Porém, até que uma dessas Cortes profira um entendimento e ele seja replicado de maneira uniforme pelas demais jurisdições, haverá, sem dúvida, estímulo à conflituosidade e perpetuação da insegurança jurídica, na contramão do que se almeja com a reforma posta.
O processo tributário no cenário da reforma deve estar na pauta do legislativo quando da regulamentação de seus dispositivos para que a tão almejada simplificação e eliminação do contencioso não se perpetue apenas como tinta no papel

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